27.11.06

rodelas pré-cozidas

1.0 O cachorrinho poodle:
- da vizinha
- bonitinho e tenro
- cheiro shampoo importado
- bichinho de madame

2.0 O meu sorriso:
- completamente dócil
- amarelado
- vingativo
- faminto há quatro dias
Haveria de me oferecer e levar o animalzinho para passeio no parque e devorá-lo assado em rodelas pré-cozidas em fogo à lenha no quintal da casa.

sacrifício, pouco

Talvez culpa do sacrifício. Pouco. Não deixou marcas nem provocou piedade. As esperanças não mais existiam para Esmeralda. Rodrigo havia tentado toda a medicina possível. As rezadeiras do bairro, esgotado as orações, as folhas, raízes e cascas em chás e misturas para curá-lo do mal no pulmão quase inexistente. A cama, lugar da casa onde passava os dias daquele sofrimento, encontrava-se rodeada com um ornamento misto de pus, sangue e catarro. Vez ou outra, aconteciam crises que pareciam definitivas, dessas que iriam trazer a solução final para o caso.
Quem via aquele homem agora só pele e ossos, muito mais ossos que pele é bom salientar, pouco podia acreditar. Era mesmo Rodrigo Cardoso, o Rodrigão da Vila, cara que fazia sucesso com as meninas do bairro, era o melhor lateral esquerdo do Casca Grossa Futebol Clube e pagodeiro dos bons. Começou com uma gripe. Coisa pouca, dessas que se curam com cachaça e limão. Depois a tosse seca, meio pigarro, que passava despercebida no coro dos fumantes nos botecos das esquinas. Bobagem, macho que é macho não adoece, leva um susto aqui e acolá. E desse jeito o Rodrigão caiu. Pneumonia depois tuberculose e agora o maldito, bom nem dizer o nome.
A mulher havia feito a promessa para Santa Rita, cumpriu parte dela pra pagar adiantado e provar que era das boas. Esmeralda escolhera caminhar no sol do meio dia, a foto do marido na mão e o vestido preto molhado de suor. Preces para a santa e registro em polaroid com outras penitentes.Talvez culpa do sacrifício, pouco. Rodrigo foi de uma vez só, sem crise nem nada. Adormeceu enquanto a mulher estava na igreja e apenas não acordou. Na volta pra casa, crente na graça alcançada, Esmeralda não percebeu a Scania desembestada na ladeira da Cônego de Castro. Culpa do sacrifício, pouco.

24.11.06

música triste sob um calor de 40 graus

uma bala na cabeça pode significar uma tentativa derradeira de dizer pra todo mundo que algo não vai muito bem. descobri isso aos 15. tive a certeza quando ouvi joy division pela primeira vez. hemingway fez isso. kurt cobain também.
lembro de um dia, a muito tempo atrás, quando encontrei meu amigo orlando. ainda morava em manaus e esse cara, bem mais novo, era uma tradução exata de alguém que havia descoberto a mesma coisa que eu, hemingway e cobain. o orlando me disse, à época, que não aguentava mais. ouvia vozes e essas vozes sempre falavam pra ele que viver não era uma boa opção. tempos depois, percebi que ele tava tentando me dizer o que viria mais a frente
passava-se um mês exatamente do dia em que encontrei o tal amigo quando o telefone tocou. a descrição foi minuciosa: no meio da noite o orlando havia levantado do quarto e pego a espingarda do pai dizendo que ouvira barulhos do lado de fora. três minutos depois um único estrondo. dois para ser preciso (o segundo foi a queda do orlando morto depois do tiro certeiro).
uma bala na cabeça pode significar que algo não vai muito bem. descobri isso depois que não dei atenção pro orlando no dia em que nos encontramos. aliás, talvez tenha conseguido salvar a vida do cara naquele dia.
hoje, muitos anos depois, pensei nisso quando ouvia uma música triste sob um calor de 40 graus. olhei para a frente e vi que o orlando foi o cara mais corajoso que conheci em toda a minha vida. aumentei o som do carro e fechei os olhos quando o sinal fechou. todos os barulhos do lado de fora desapareceram naquele instante. "love, love will tear us apart, again..."

22.11.06

cardigans cantando black sabbath

as ruas andam estranhas.
pela manhã, o de sempre.
trânsito ruim, pessoas idem.
misto de raiva e indiferença.
iron man do sabbath por nina persson.
estranha e bela combinação.
sempre achei o ozzy angustiado.
a angústia da nina é mais poética.
da melodia raivosa ficou a melancolia.
...
tinha um cara buzinando alucinado quando o sinal abriu.
vontade de descer e esmurrá-lo.
daí veio a nina de novo: "oh, iron man...".
o cara da buzina nem sabe o que é isso.
as ruas estranhas vão ser sempre assim.
...

21.11.06

... e o sangue vermelho correu sem rumo

E a velha nua parou à beira da estrada.
Olhou para um lado, depois para o outro.
Respirou fundo, profundo,
como se fosse a última vez.

Um carro velho, como ela, descia a ladeira.
Sem rumo, como ela.
A velha pensou.
Assim, do nada.

Sentiu o vento parco,
o calor grudado à pele distorcida,
o cheiro verde seco
e nenhuma esperança.

Assim, do nada,
sentiu vontade de viver.
Como se fosse a primeira vez,
uma primeira vida.

Apontou certeira para o velho carro
sem rumo como ela em alta velocidade.
Não tinha nenhuma dúvida:
resolveu viver.

E o sangue vermelho correu sem rumo.

Estrada velha, como ela.

Para Balso Snell



19.11.06

Na frente do espelho

Na frente do espelho, a jovem sonhava em ser bonita, freqüentar festas na alta sociedade, carrões, coluna social, casamento com ricão...
Na frente do espelho, o jovem mal tinha tempo de olhar pra sua cara, atrasado pra chegar no trampo, barriga roncando, nenhum puto no bolso, ônibus lotado...Um dia, os dois se encontraram, e como que por impulso de ódio à primeira vista, ele sacou a sua faca, que se chamava Madalena e deu 33 facadas na jovem, que se chamava Maria de Jesus. Depois, se atirou na frente de um ônibus e foram felizes para sempre.

Experiências sexuais verídicas

De todas era a mais gostosa. FIU, FIU quando passava. Menos eu. Tencionava comê-la assada enfiada em espeto cu-à-boca.

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Corujão era a salvação aleluia. Perdido ônibus de onze e meia. Aguaceiro medonho. Lá vem, lá vem, lá vem. Chispando. VRRUUUMMMM! Pára danado. Não pára. Pedra deseducada no chão. CREEC! No meio do pára brisa traseiro. Sangue na cabeça do cobrador. Pau no cu do motorista.
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Falava demais. Precisava de algo para calar. Honesto pau enrijecido na boquinha. Morder não vale.

Doidinho da esquina, coitadinho

O doidinho da esquina, coitadinho. Andava sujo assim, fedendo à rua e meio que perdido na loucura dos transeuntes daquele bairro suburbano. E fedia à merda, era verdade. Mal se limpava e cagava sempre nos becos e atrás dos matos dos terrenos baldios. O doidinho da esquina, coitadinho. Dava a bundinha suja por bem pouco. Às vezes um cigarro, um gole de cachaça ou aperto de mão do taradão implacável que comia jegue como qualquer lourinha gostosa da boate de streappers. Era assim. Pouco mudava. O doidinho da esquina haveria de se vingar. Seria uma vingancinha bem escrotinha, pra acabar com qualquer mal entendido ou mesmo dúvida sobre ser ou não ser bicha. Sem mais delongas... Pegaria o Juninho, menininho de 4 ou 5 e o levaria para o tal terreno baldio. Daí, seria simples assim: cagaria na sua boca, mijaria no ouvidinho e depois, sem dó nem piedade, enfiaria o honesto pau enrijecido no cu até a boca. O menininho daria gritinhos, é verdade, mas paciência. Culpa do pau 18 centímetros fedorento implacável. Depois, no máximo um manicômio pois era doidinho, coitadinho, da esquina.

12.11.06

Heresia pura

Achei coisas antigas, escritas tempos outrora.
Aí vai uma delas, de 5 anos atrás...

HERESIA PURA

Eu não gosto de dança, artes plásticas, música clássica e poesia concreta.
Heresia pura!
Tudo começou quando, numa mesa de bar, uma amiga disse, com todas as letras e fonemas que, pasmem, não gostava de circo. Fiquei besta. Como podia não gostar de circo? Porra, circo é uma coisa bem legal, fez parte da minha infância e tudo o mais.
O passo seguinte foi mais radical ainda. Todas as demais pessoas na referida mesa, sem dó nem piedade, passaram a listar coisas tidas como bem conceituadas e de que também não gostavam. Saiu de tudo: Raul Seixas, Legião Urbana, Ana Paula Arósio, John Lennon, os balés da EDISCA, etc, etc, etc... Foi um desfile interminável de ódios e desgostos instantâneos. Houve até quem dissesse que o Sean Lennon era melhor que o John. E o que é pior: houve quem concordasse. Só vendo. Até lembrei de outro amigo meu (tava na mesa vizinha, o tal) que, no seu blog, teve a ousadia de afirmar que não gostava da Bjork e do Radiohead.
Heresia pura!
Alguns dias depois, pus-me a pensar sobre gostar e não gostar, ou melhor, dizer ou não dizer do que não gostamos. E eis que me deparei com uma verdade quase que absoluta: poucas vezes, raríssimas vezes, nós temos a coragem de dizer coisas negativas sobre as pessoas, sobre os fatos e sobre as unanimidades. Poucas vezes, temos coragem! Só isso.
É como se vivêssemos sobre um enorme manto que nos impede de duvidar, questionar ou simplesmente afirmar que isso ou aquilo não é muito bom segundo o nosso modesto ponto de vista. Há, senhores, uma grande ditadura do bom gosto, por assim dizer, onde falar "não" pode significar ser mal educado, grosseiro e sem cultura.
E as mulheres, certamente, não perguntam sobre o seu vestido ou o seu penteado para ouvir que são feios, fora de moda ou que não caem muito bem com aqueles pneuzinhos a mais. Isso, nunca! Dizer que o fulano ou o sicrano são uns chatos, nem pensar! Pode magoar ou mesmo pegar mal até para quem não tem nada a ver com a citada chatice.
As sociedades contemporâneas, perfeitamente representadas pelos meios de comunicação de massa, vivem uma época de uniformização absurda. Todos devem ser iguais, pensar da mesma forma, usar as mesmas roupas e, se possível, caminhar lado a lado trotando o mesmo passo como soldados em desfile de sete de setembro. Esse é o grande objetivo. Pessoas iguais, felicidades artificiais e pouco, ou nada, a dizer.
Sabe, acho os Irmãos Aniceto uma grande bobagem para intelectuais recalcados, música mal tocada e coreografias ridículas.
Heresia pura, eu sei.
Mas fazer o que?
Eu nem mesmo quero ir para o céu por ser um moço bem educado.
Aliás, nem do céu eu gosto!
E tem mais: gosto de viados mas detesto viadagens.
Só isso.

Fortaleza, 14/11/01.

8.11.06

eco ao fundo da canção mórbida

a canção que você fez pra mim tinha algo de melancolia e morbidez. sonoridade estranha, sentimentos idem e pouca esperança. da lágrima que correu o lado esquerdo do rosto senti o gosto da dor. sofri. de todos os tipos e formas escolhi as mais bizarras. das mulheres e homens preferi os que haviam perdido.
na primeira manhã o gosto na boca não vinha de mim. noite dormida cansada que teimava em não acabar. na segunda, teu desdém cravou fundo no peito qual lâmina afiada. sentimento estranho, esperança idem e pouca sonoridade. lágrima. filete de sangue, olhar endurecido e o eco ao fundo da canção mórbida.
mas amanhã eu sei, será diferente. sei sim: quebrarei o disco da canção, secarei a lágrima, cegarei a lâmina afiada e passarei tudo que perdi pra ti. então, finalmente, conhecerás a minha vida e se arrependerás.
solução nenhuma: bala na cabeça, faca no coração, corda no pescoço, salto alto no asfalto quente. de mim, esperança estranha, sonoridade idem, pouco sentimento.

Coisa leve assim... pouca importância

A unha crescida sem corte enterrei no mamilo esquerdo.
Dor aguda, sentimento nenhum.
Depois girei lento só um pouquinho.
Coisa leve assim... pouca importância.
Insatisfeito, cravei-a fundo até a ponta do indicador direito.
Sangue do bom.
Desses que corre na veia,
congela na alma
e degela ao sinal do primeiro beijo.
Agora sim.
Dorzinha leve mas honesta.
Ingrata és tu sem um ai sequer.
Do teu sorriso e do último suspiro lembro quase nada.
Sangue do bom, da veia congelada e do último beijo.

5.11.06

Sem batom apenas sangue

Quem me dera a sorte:
da garota mais bonita
da simetria de um tiro.
Certeiro entre os olhos
Pouco acima do nariz
Abaixo das rugas da raiva santa
Depois:
o sangue correria puro
o caminho da boca via narina resfriada
A língua,
atrevida e cínica
Arriscaria o gostinho de uma provadinha casual
E a garota mais bonita:
enfiaria o indicador
no buraco da testa
e pintaria os lábios sem batom
apenas sangue.

3.11.06

Tiro entre os olhos

As palavras, essas devem ser certeiras...
Como um tiro entre os olhos.
Abaixo da testa e
Acima do nariz.
Simples assim.
Sem dó nem piedade.