havia escolhido ser desse jeito

primeiro abriu um olho, depois outro. a imagem à sua frente não tinha foco. precisava ser ajustada. havia dormido mal a noite toda. decidiu que ficaria desse jeito. era melhor. de todos os amores de sua vida aquele tinha sido o mais forte, o mais intenso, o verdadeiro. havia acabado, como quase tudo. quando pensava assim tinha vergonha. clichê, ele sabia. andava pela casa sozinho e sentia a sua falta. pegava o telefone, começava a discar e logo desistia. a imagem permanecia sem foco. ajustou um pouco, melhorou a nitidez. alguém batia na porta, ele corria... tropeçava. nunca chegava a tempo. ia até a estante, olhava um livro depois um cd. optava sempre por ouvir a mesma música, aquela que um dia tinha sido dos dois. chorava um pouco aproveitando que estava só. aliás, tinha que se acostumar. seria sempre assim, dali pra frente. havia escolhido ser desse jeito.

o próximo seria o primeiro

decidiu que o tempo poderia passar por ele e não ficaria mais incomodado. todo dia seria mais um dia e depois mais outro, mais outro... e por fim, chegaria o momento do último dia e ele tinha certeza. depois do último, o próximo seria o primeiro. esperava um pouco mais de sorte, meia dúzia de amigos e um amor verdadeiro, só isso.

quando abriu os olhos

quando abriu os olhos não lembrou como havia chegado até ali. quando abriu os olhos, lembrou que queria que eles ficassem fechados para sempre.