31.1.07

azul combina com vermelho?

O purgatório tem cores e signos direcionados.
Eles penetram a escuridão do meu ego
à procura de um tom para balancear
a dança multicor do meu inferno particular.
Talvez um pigmento qualquer
de uma corzinha apagada satisfaça.
Talvez um vermelho forte borre
a aquarela turbulenta da minha tristeza.
O purgatório não é preto,
nem branco.
Sei lá. Tenho dúvidas.
Talvez manche de sangue (meu é claro)
o azul metálico daquela Scania do ano no fim da ladeira.
Azul combina com vermelho?
Sei lá.

um vírgula trinta e cinco

Reginaldo era o cara mais popular do bairro. Pintor de Rodapé era chamado.
O coitado tinha somente 1,35 metros de altura e a mania de jogar na Mega-Sena. Acertou as seis dezenas um dia e comprou uma metralhadora. Deu no jornal do dia seguinte, primeira página: "TAMBORETE DE FORRÓ MATA 32". Pobre Reginaldo.

30.1.07

sorriu. morreu. (2)

quando caiu não lembrou de quase nada.
ao levantar, não conseguiu ficar muito tempo de pé.
olhou para os lados.
para a frente.
não viu nada.
ninguém.
deitou novamente e esperou.
nada aconteceu.
lembrou de muito pouco.
sorriu.
morreu.

26.1.07

sorriu. morreu.

a dor não foi suficiente.
correu de novo e bateu mais forte.
sentiu o sangue escorrer.
queria mais.
tomou uma distância maior.
foi com tudo.
pow!!!
o crânio rachou.
a parede também.
caiu para trás.
sorriu.
morreu.

16.1.07

promessas de amor eterno

do sexo entre eles lembra apenas do suor na cama no início de tudo,
da sua pele o cheiro de desodorante vencido jeito de macho mais ou menos assim,
da boca o hálito vencido meio bombom de hortelã e dentes amarelados,
do corpo, os hematomas das brigas de rua e auto-flagelo nos surtos de tristeza.
de tudo, a última expressão no momento final.
o sorriso durante a dor,
o sangue se espalhando pelo asfalto,
e promessas de amor eterno durante os tiros certeiros.

14.1.07

da queda

da queda lembra muito pouco.
do vento nas entranhas,
do chão chegando logo,
do barulho crac dos ossos
no momento final.

lágrimas

lágrimas vermelhas no teto...
como gotas de sangue
durante a madrugada

11.1.07

a gorda sebosa de 120 quilos

a gorda sebosa de 120 quilos tem o pescoço preto de sujeira e um suor fedido que corre pelo corpo todo.
anda animada de um lado pro outro do bar de quinta que só vende cachaça, cerveja primus, ovo e óleo de segunda.

a gorda sebosa vive sempre bêbada, vomitando pelos cantos e cuspindo todo o chão.
tem uma bunda descomunal, usa calcinha três dias seguidos e tem cotovelos e joelhos pretos.
a gorda sebosa...
o pau do honesto vingador será impiedoso.
ele comerá sim, sem piedade nem dó.
será um ato cristão.
depois de gozar, beijará sua boca e dirá que a ama perdidamente.
deixará que ela adormeça e só então cometerá o ato final.
facada certeira no coração pra acabar com o sofrimento.
a última lembrança da gorda sebosa será a piedade sincera do honesto vingador.

6.1.07

"faça você mesmo!"

Foi assim. Cheguei lá e era uma daquelas semanas culturais que as escolas promovem na tentativa de motivar os alunos a gostarem mais de estudar ou coisa parecida.
Tava lotado. Um ginásio quente com dezenas de coisas acontecendo simultaneamente. De dentro, uma música me chamou a atenção. Conseguia distinguir a microfonia abusada e isso achei legal logo de cara. Entrei para conferir e um grupo de meninos e meninas assassinava "Lithium", do Nirvana - mais precisamente, três meninas e um menino entre 14 e 16 anos. A garota dos vocais berrava alucinadamente, a baterista tocava com força, o baixo parecia um enorme surdo daqueles de escola de samba e a guitarra desafinava assustadoramente. E mais: cada um parecia tocar uma música diferente. Um escândalo! Claro que quase todos os presentes faziam careta enquanto o diretor da escola parecia assustado e sinalizava para acabar a apresentação o mais rápido possível.
E a meninada no palco improvisado nem aí. A garota berrava mais e mais alto... cada vez mais. A música começava a crescer dentro deles. Não foi difícil perceber o óbvio, entre o riso de alguns e o escárnio de outros: a moçada tocava rock and roll no mais puro conceito "faça você mesmo!". Mais punk rock, impossível!. E foda-se a história do modismo ou consumismo de boutique, como diriam alguns ou quem sabe eu mesmo. Tinha raiva nos acordes, tinha fúria na voz da menina.
A voz rouca daquela garota - que me dava a impressão de ser tão forçada que talvez ela ficasse sem falar por dias e mais dias - ainda ecoa nos meus ouvidos. E logo eu, que volta e meia duvido das minhas convicções e do meu passado anarco-punk.
E é assim, com o ímpeto e a maravilhosa falta de bom senso dessa meninada que essa música barulhenta, agressiva e inconformista sobrevive e faz, a cada dia, novas vítimas. Como fez comigo um dia, me transformou no que eu sou e teima em não me libertar nunca mais.
Viva o rock and roll, meus amigos! E viva o delicioso impulso para a inconseqüência que tudo isso pode causar num indivíduo... tenha ele 14 ou 40 anos de idade, tanto faz.

3.1.07

ninguém mete a colher

Declarava-lhe amor e sentimentos que afirmava jamais ter conhecido. Não sabia. Escuta na extensão. Desligou prometendo breve encontro para saciar desejos incontroláveis. Foi abordado no corredor principal que terminava na cozinha. A mulher repetia não admitir tipo de traição. Negava. Ameaçava perder paciência. "Cala a boca mulher!". "Safado, quem era a piranha?". Não agüentou e deu-lhe socão na boca. A mulher caiu. Misto de cuspe, sangue e palavrão entoavam a cena favorita para manchete no Jornal da Tarde. Chutou-lhe as costelas e ouviu o crac dos ossos quebrados, também os gritos de ai não me bate por favor que já eram comentários na vizinhança. Alguém (briga de marido e mulher ninguém mete a colher) chamou a polícia. Passaram-lhe as algemas pra mulher prestar queixas. Disse que não. Amava o marido apesar de tudo. Ele: "macho que é macho domina qualquer situação". Foi dormir. A mulher esperou. Ferveu azeite português e com conta gotas aplicou 30 no ouvido esquerdo e 20 no direito. O homem bateu-se alguns segundos e depois parou. Não achava suficiente. Cortou-lhe o pênis e fritou com óleo de peixe misturando farinha e comendo feito farofa. Sabor amargo. Vomitou. Sentiu-se feliz. Amava o marido apesar de tudo.