27.11.06

sacrifício, pouco

Talvez culpa do sacrifício. Pouco. Não deixou marcas nem provocou piedade. As esperanças não mais existiam para Esmeralda. Rodrigo havia tentado toda a medicina possível. As rezadeiras do bairro, esgotado as orações, as folhas, raízes e cascas em chás e misturas para curá-lo do mal no pulmão quase inexistente. A cama, lugar da casa onde passava os dias daquele sofrimento, encontrava-se rodeada com um ornamento misto de pus, sangue e catarro. Vez ou outra, aconteciam crises que pareciam definitivas, dessas que iriam trazer a solução final para o caso.
Quem via aquele homem agora só pele e ossos, muito mais ossos que pele é bom salientar, pouco podia acreditar. Era mesmo Rodrigo Cardoso, o Rodrigão da Vila, cara que fazia sucesso com as meninas do bairro, era o melhor lateral esquerdo do Casca Grossa Futebol Clube e pagodeiro dos bons. Começou com uma gripe. Coisa pouca, dessas que se curam com cachaça e limão. Depois a tosse seca, meio pigarro, que passava despercebida no coro dos fumantes nos botecos das esquinas. Bobagem, macho que é macho não adoece, leva um susto aqui e acolá. E desse jeito o Rodrigão caiu. Pneumonia depois tuberculose e agora o maldito, bom nem dizer o nome.
A mulher havia feito a promessa para Santa Rita, cumpriu parte dela pra pagar adiantado e provar que era das boas. Esmeralda escolhera caminhar no sol do meio dia, a foto do marido na mão e o vestido preto molhado de suor. Preces para a santa e registro em polaroid com outras penitentes.Talvez culpa do sacrifício, pouco. Rodrigo foi de uma vez só, sem crise nem nada. Adormeceu enquanto a mulher estava na igreja e apenas não acordou. Na volta pra casa, crente na graça alcançada, Esmeralda não percebeu a Scania desembestada na ladeira da Cônego de Castro. Culpa do sacrifício, pouco.

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