27.2.08

caiu, caiu, caiu...

foi aos poucos...
um passo, depois outro
e outro, mais outros.
aos poucos, até a beira.
o limite.
abaixo o asfalto.
e só!
pulou, foi... sem mais nem menos.
caiu, caiu, caiu...
e nem lembrou depois
porque havia chegado
até ali.

21.2.08

sobre uma música da cat power e livros de dorothy parker

ruth nem pensou duas vezes antes de arrumar algumas roupas e sapatos e sair de casa. tava cansada, sem paciência para esperar mais uma vez que tudo ficasse normal, "melhor daqui pra frente" como ele sempre dizia.
ruth não imaginava que ele fosse surtar. nunca gostou de mim, o sacana, sempre pensava. desprezava seus livros da dorothy parker, seus vestidos de menininha e seus discos da emiliana torrini. coisa de mulherzinha, dizia. um escroto, isso sim.
a chantagem começou com a bebedeira, depois a perseguição pelos cantos da cidade e, por fim, ameaça de pulsos cortados e todos o resto. e ruth, oniponte, nem aí... um escroto.
então ele fez... pegou a ruth em casa, sozinha, ouvindo cat power em todo volume. "where is my love".
entrou em silêncio, pé ante pé... ela de olhos fechados, nem notou...

ele se aproximou, ficou um tempo parado, contemplando-a cantando só pra si a música que tocava. foi cuidadoso, delicado, tentou ser certeiro no pé do ouvido. pensou por um momento se fazia ou não. fez, melhor, sussurou, assim, de primeira, sem pensar. "eu te amo!" ela abriu os olhos, a música acabou, eles se olharam por um longo período...

19.2.08

não era mais amor...

...
passei a vista sobre a estante, um monte de cds, velhos vinis e uns 6 ou 7 livros envelhecidos. algumas fitas vhs, poucos dvds e poeira a vontade. o dia amanhecera. mais uma noite em claro e a certeza de que nunca mais conseguiria dormir. 5 dias atrás, ela havia me ligado e permanecido em silêncio do outro lado da cidade. depois disso, sumira novamente.
não era mais amor, apenas o sentimento incomôdo de terminar algo que não queria que acabasse. bom era tê-la por perto, vê-la todos os dias acordando e dormindo com a cara amassada das bebedeiras de sempre.
havia desistido de mim, com alguma razão. eu sempre perdia o controle, falava o que não devia e ouvia o que não queria. quando arrumou a bolsa com algumas roupas que deixava em minha casa, ela me olhou de lado e, sem dizer nenhuma palavra, consegui perceber que havia terminado. bateu a porta com desprezo e nem o barulho de sempre das pisadas na escada consegui ouvir.
não era mais amor, apenas a vontade de ainda tê-la ali, por perto, sobre o meu controle. sentia falta do seu olhar meio morto no meio do dia, cansada, mal dormida. sentia falta de quando ela perdia e paciência e me mandava tomar no cu assim, do nada, sem mais nem menos. pra mim era o mesmo que ouvir de sua boca eu te amo. era uma declaração sincera, honesta, singela como as vezes em que ela simplesmente olhava e dizia que faltava sal na minha macarronada.
não era mais amor, era quase nada mesmo. mais ainda queria que ela estivesse por perto, pelo menos isso. eu me sentia melhor, mais seguro, com algumas certezas que havia perdido desde sua partida.
escolhi um cd apenas, uma única música pra começar o dia. billie não me perdoou cantando com sua voz rouca "my man". poderia ser aquele homem, dela ou daquela mulher ao telefone 5 dias atrás. mas a vida não queria mesmo que pudesse ser feliz instante algum.
então sentei no sofá, deixei a música acabar e esperei. talvez o telefone tocasse novamente e ela dissesse alô, tô voltando meu bem. não queria muito mais que isso.
adormeci, nem lembro se sonhei...

18.2.08

silêncio, do outro lado

a noite passou e não conseguiu fechar os olhos um segundo sequer. lembrou das coisas boas, das coisas ruins... a noite passou, mais uma noite.
gosto ruim de vinho barato e saliva misturada com cigarro. do seu lado, nem lembrava como havia chegado até sua cama. no chão, um garrafão de dom bosco pela metade, pontas de cigarro, uma calcinha suja e sua cueca com elastico vencido. lembrou das coisas boas, das coisas ruins...
resolveu ligar pra ela. tocou uma vez, duas, três, desistiu. 8:30 e o dia havia começado a um bom tempo. na rua, gente indo e voltando, buzinas de carro, fumaça e asfalto quente. gente indo e voltando. esperava pouco da vida, nunca quis muito. queria contar com a pena dela no final de tudo.
foi ao banheiro, nem conseguiu fazer nada. sentado no vaso sanitário, imaginou o que ela poderia estar fazendo. na pia, uma lâmina usada, meio enferrujada. perfeito pro final que nunca sonhou. o telefone tocou, ele correu... quando disse alô, havia silêncio do outro lado.
sim, ela só queria ouvir sua voz. ele desligou, voltou pro banheiro e sentiu-se um pouco melhor.
mais feliz, menos amargo.

7.2.08

e a vida nem seria tão ridícula assim

um dia de cada vez. decidiu assim, deixar passar em gotas quase que diárias, aos poucos... tudo seria mais lento, porém, demoraria mais a acabar. resolveu correr só pra contar pra ela, no fim do dia, com o sol morrendo lentamente, como deveria ser. então talvez um beijo sorrateiro, quase roubado... e a vida nem seria tão ridícula assim. só às vezes. nada pode ser absoluto, nem a calma, muito menos a pressa.

1.2.08

voltar atrás

prometeu a ela que nunca voltaria.
daquela vez era pra sempre.
ela chorou, esperneou, ele nem aí.

ela prometeu não fazer de novo, disse que dormiria cedo
e nunca mais ficaria esperando no portão.

ele titubeou, pensou em voltar atrás... não desistiu e foi.
ela se jogou no chão, asfalto quente na porta da casa.
ele nem aí. apressou o passo, dobrou a esquina.
ela abriu os olhos, ele tinha ido.
então aconteceu. outro veio e deu a mão.
ela ficou de pé, outro sorriu.
carinhosamente, passou a mão em seus cabelos.
ela sorriu. caminharam para a sombra.
outro, com o indicador direito,
enxugou a lágrima no rosto esquerdo.
ela, sorriu abobalhada.
pensou em voltar atrás, não desistiu.