no último acorde decidiu que não queria mais saber. tirou o cd do aparelho e jogou janela abaixo. tinha decidido. "rebeldia depois dos trinta não dá". tava fora. tomou a última que tinha na geladeira, fumou o último e foi dormir, sozinho como sempre. como sempre. lá fora tinha um monte igual a ele. gente que ia e voltava sempre. gente que não voltava nunca. acordou. desesperou-se e desceu as escadas pra ver se ainda tava lá. remexeu o mato perto da parede. achou. beijou em cima do joey ramone e subiu desesperado. ligou o som em toda altura e pediu perdão. pediu cerveja pelo telefone, acendeu mais um e decidiu começar tudo de novo. lá fora tinha um monte igual a ele. gente que ia e voltava sempre. gente que não voltava nunca. o dia passou a noite veio. dormiu. sozinho como sempre. como sempre.
decidira encontrá-lo no fim do dia, depois da chuva e do cansaço, o final feliz. não haveria mais sol, apenas a lua e o sereno da noite com poucos respingos da água acumulada sobre as árvores. deitaria sobre o banco da praça e esperaria. não se incomodaria com o tempo, velho inimigo. apenas ficaria lá. fecharia os olhos. dormiria e sonharia. e o beijo redentor traria pra ela o momento derradeiro.
havia uma sombra no asfalto frio de alguém que não era ela. tinha vivido sessenta e cinco anos, muito pouco e as esperanças não mais existiam. não sorria, quase não falava e vivia só. tinha escolhido ser assim, não achava ruim e mesmo naquele instante derradeiro decidiu não se arrepender. lembrou dos homens que não teve, dos amigos que magoou e das chances que desperdiçou. tinha escolhido ser assim. lembrou daquela música que nunca ouviu, do vinho barato que sempre tomou. pestanejou. esperou a hora correta. pensou no último desejo, nas últimas palavras e arriscou um telefonema. linha ocupada. claro. não haveria de ser diferente no derradeiro instante. então, esperou. o dia amanheceu, veio o sol quente, asfalto idem. depois escureceu novamente, amanheceu de novo e o tempo foi passando. esqueceu da fome, da sede, de quase tudo. morreu. sorriu. tinha escolhido ser assim.